Sunday, May 15, 2011

Capítulo 2


A pior coisa sobre perder aquele emprego não era nem ficar afastada da selva editorial da revista Nuovo, mas sim do meu único amigo por lá, João Rivera ― mais popularmente conhecido como apenas “Rivera”, para diferenciar-se de seu homônimo na redação, João Damasco ―, de quem eu não conseguia me ver longe ou, pelo menos, me ver longe e sobrevivendo a isso.

Felizmente, ele ainda não havia chegado para trabalhar àquela hora, o que me poupava da terrível cena de adeus. Nós éramos bem ligados dentro do ambiente de trabalho, mas era apenas isso. O fim do meu emprego era provavelmente o fim daquela amizade, por mais triste que isso soasse.

O elevador se abriu com uma campainha, me trazendo de volta ao mundo real.

Oh, claro!

Claro que quem tinha que estar lá dentro era exatamente Rivera. Ele olhou para mim de seus um e noventa imponentes, os olhos azuis brilhando em contraste com seus belíssimos cabelos negros, e o sorriso ― por me ver, gosto de pensar ― rapidamente murchando ao notar a caixa de papelão que eu segurava ― ou, mais especificamente, o que aquilo queria dizer (a minha despedida daquele emprego).

Rivera era um daqueles caras naturalmente carismáticos que se torna, sem esforço algum, o preferido de todas as pessoas com quem convive. Aquilo tinha sido uma realidade para mim mesmo antes que ele me dissesse sequer um “oi”; eu sempre o admirei de longe, secretamente. Até que, numa estúpida festa de escritório, ele parou ao meu lado e puxou assunto sobre o tédio e... foi isso. Nos tornamos melhores amigos. Eu mal podia acreditar na minha sorte e, algumas vezes, ainda me via ficando nervosa, com medo de dizer a coisa errada perto dele.

Mas ele, estranhamente, sempre se sentia muito à vontade perto de mim.

― Que isso? É o fim do mundo, e esqueceram de me avisar? ― Rivera exclamou, tentando debochar em meio ao espanto. Eu apenas sorri. Ele retornou ao elevador e pegou a caixa das minhas mãos numa oferta cavalheiresca. ― Por que se demitiu, Anninha? Eu pensei que faríamos isso juntos, caso desse a louca e quiséssemos pular do barco. Por que não honrou nosso pacto de suicídio?

Eu suspirei. Como ele conseguia ser tão adorável em qualquer circunstância? Por que eu não conseguia expressar meu mal-humor a ele? Por que eu tinha que agir como uma colegial apaixonada com pernas de gelatina?

― Não me demiti, Rivera ― informei, desanimada, apertando o botão do térreo.

Ele endireitou a coluna e arregalou os olhos.

― Oh.

Ficamos em silêncio até que o elevador abrisse outra vez suas portas de metal cromado. Eu fiz menção de pegar a caixa de volta, mas Rivera negou.

― Onde está seu carro?

― Eu não… hã… Eu não tenho um.

Temi soar como uma pobretona. No entanto, Rivera não parecia fazer muito caso daquilo.

― E como pretende carregar tudo isso até a sua casa? ― Ele sacudiu a cabeça. ― Não. Nada disso. Deixa no meu carro que eu levo para você após o expediente, está bem?

Ele não esperou que eu concordasse. Seguiu até seu lindo Mercedes prateado e colocou a minha caixa no banco do carona. Ele parecia ter seus passos tão em ordem que eu me senti um pouco mal por estar uma bagunça.

― Precisa de alguma dessas coisas até o fim do dia? ― perguntou, concernado.

Sacudi a cabeça. Possivelmente, eu não precisaria de nada daquela caixa até o fim da minha vida, o que eu não conseguia me decidir se era triste ou digno de comemoração.

Rivera fechou o carro e me segurou pelos ombros, olhando bem no fundo dos meus olhos.

― Você tem certeza de que está bem? ― sussurrou.

Eu espremi meus lábios, e por um segundo deixei transparecer uma ruga de tristeza no centro da minha testa. Rivera sorriu consigo mesmo.

― Claro ― ele disse, me abraçando bem firme. ― Pergunta imbecil. Me desculpa.

― Não tem problema ― murmurei.

Ele riu, ainda não me deixando ir livre.

Eu adorava o seu cheiro. Menta selvagem, quase como um chiclete ou hálito matutino de pasta de dente, mas um pouco mais exótico que isso. Provavelmente era o aroma do pós-barba, e algumas vezes eu tinha vontade de provar seus lábios apenas para ter certeza. E, sim, eu estou ciente de que amigos não deveriam ter essas espécies de sentimento por amigos. Mas não era como se eu pudesse evitar.

― Sua casa continua no mesmo lugar? ― ele perguntou por entre os meus cabelos escuros.

― Espero que sim... ― brinquei, arrancando mais uma de suas risadas gostosas.

― Engraçadinha ― ele me soltou, e segurou as minhas mãos enquanto tornava a encarar os meus olhos.

― Rivera! ― gritou alguém que tinha saído do elevador. ― Estamos precisando de você lá em cima!

― Já vou! ― ele gritou de volta, mas olhou para mim no instante seguinte, como se não quisesse me perder de vista.

Certo. Eu notei que ele ainda segurava as minhas mãos. Nossos dedos estavam entrelaçados, e aquilo de alguma forma parecia natural, como se o fizéssemos sempre. O que não era necessariamente verdade.

― Ei ― Rivera soltou uma das minhas mãos para poder afastar um fio de cabelo dos meus olhos. ― Assim que você arranjar um novo emprego, me avise, que eu pulo fora daqui. Estou cansado desse lugar, e não tem a mínima graça sem você.

― E-eu... ― comecei, meio sem saber como terminar.

As palavras simplesmente tinham fugido da minha mente. Elas ficavam extremamente tímidas na frente de Rivera, o que só me fazia imaginar que eu era algum tipo de pessoa muito perturbada. Ele era o meu melhor amigo, afinal. Eu deveria ser capaz de ter uma conversa coerente com ele, certo?

― Rivera! ― o esquentadinho do elevador berrou outra vez, antes que eu tivesse a chance de colocar meus pensamentos novamente na linha.

― Tenho que ir ― Rivera disse, me medindo uma última vez com seus olhos azuis profundos. ― Vejo você mais tarde?

― Claro.

― Então, até depois ― ele deu um beijo macio na minha bochecha e soltou a minha outra mão, indo para o elevador cumprir seu trabalho.

A marca imaginária dos seus lábios queimou minha face por vários minutos depois disso.

Fui andando para a parada de ônibus e estava quase começando a pensar que a vida não podia ser assim tão ruim ― afinal, quem precisa de mais do que um Rivera para beijar você de vez em quando (mesmo que na bochecha)? ― quando começou a choviscar.

Geralmente, eu não tenho problema algum com chuviscos, mas naquele dia em particular eu só tinha conseguido domar meus cabelos ondulados à base da chapinha, e só uma garota sabe que efeitos pequenas gostas de água têm sobre um cabelo chapado.

Não são efeitos bons.

Tentei proteger minha cabeça com a bolsa, mas, claro a alça mal-costurada esperou exatamente aquele momento super oportuno para se partir, e eu tive que carregar a tal bolsa pelo resto de caminho como um mendigo fugitivo carrega seu trapo de roupas.

Pelo menos a porcaria da bolsa não era de marca.

Ainda assim, aquilo foi o suficiente para me fazer voltar a detestar o dia.

Apressei meu passo quando vi o meu ônibus chegando na parada, mas, claro, estava tudo fácil demais. Eu devia ter desconfiado. Quando fiz sinal para o motorista parar, ele sorriu de um jeito pouco convidativo. A poça de água, formada pela noite chuvosa e acumulada no pequeno declive da parada, atingiu minhas roupas, meu rosto, e até a minha dignidade.

O ônibus não parou para mim.

― Ótimo! ― ironizei, me sentando no velho banquinho de madeira, me preparando para esperar uns bons quarenta minutos até o próximo ônibus.

Ao meu redor, como se achasse graça daquilo, a chuva só ia engrossando.

Eu devia estar sozinha num raio de quinhentos metros.

Quando a água que caía do céu estava tão espessa quanto uma cortina de veludo, os relâmpagos e trovões começaram. Cada estrondo me fazia pular de susto, e eu estava ficando com medo. Estou falando de medo de verdade, não de um simples frio na barriga como as pessoas costumam sentir diante de um teste importante ou na descida de uma montanha-russa. Estou falando de um corrosivo pânico pleno. Estou falando de medo da morte.

Porque, claro, era só o que me faltava... O pior dia da minha vida também ser o último!

Foi apenas quando um raio partiu uma árvore bem na minha frente que eu entendi que teria que procurar um abrigo.

Migrei com dificuldade pelo solo lamacento, procurando qualquer construção que pudesse me servir de refúgio, mas não havia nada. Eu estava no centro de um campo vazio. Então me contentei em vagar sem rumo, sentindo a pressão afiada das gotas em minha cabeça.

Em certo ponto, acho que comecei a chorar, mas as lágrimas logo se perderam com a chuva, e eu não podia diferenciar umas das outras.

― Por quê?! ― gritei aos céus, irritada. ― Por quê?!

É até engraçado como nós sempre pensamos que tudo acontece por um motivo. Como se Deus estivesse lá no céu com nada mais importante a fazer senão bolar meios malignos e cada vez mais complexos de ferrar com a nossa vida.

No entanto, naquela hora, eu não estava achando nada engraçado. Dobrei meus joelhos, sem esperanças, e abaixei a cabeça. Cheguei a pensar que a chuva me enterraria no solo lamacento, e eu apenas seria encontrada dias mais tarde por um cachorro curioso. Se algum dia chegasse a ser encontrada.

Mas, de um modo estranho, não foi isso que aconteceu.

Ao erguer a cabeça, me deparei com uma construção cinzenta e retangular, que aparentava tão abandonada que era quase como se tivesse sido pela última vez habitada por indígenas nativos em tempos pré-históricos.

A chuva não parou para me ver andar até a entrada.

Estupidamente, eu tentei abrir a porta. Devia imaginar que nunca deixariam uma velha cabana com a porta destrancada, não nesse mundo capitalista de hoje em dia. Quando eu estava quase desistindo, percebi que uma das janelas estava aberta.

Rezando para que não me processassem posteriormente por trespassagem, eu entrei pela janela, sentindo um alívio imediato quando a chuva parou de cair sobre mim. Recostei-me contra a parede e respirei bem fundo.

Estava escuro. Eu não podia ver um palmo diante do meu nariz. Tateei à procura de um interruptor que nunca encontrei.

E foi então que eu vi.

Lá do outro lado da cabana, um pequeno ponto de luz brilhava fraco no chão. Eu me abaixei e engatinhei até alcançá-lo. Estendi a minha mão e toquei nele. A luz se esvaiu de modo instantâneo, mas agora eu tinha uma espécie de graveto em minhas mãos.

― Que droga, é pedir demais um pouco de claridade? ― resmunguei para o escuro.

Foi aí que o recinto se fez mais claro que um dia de verão.

Friday, May 13, 2011

Capítulo 1

O “Era uma vez...” foi a minha demissão.

Era tudo ― eu pensava ― para tornar aquela desgraça de dia o pior de todos da minha vida ― mas, claro, como eu descobri em seguida, as coisas ainda poderiam piorar bastante.

Eu havia queimado com ferro meu terninho de trabalho preferido ― e também o único limpo ― de modo que tivera que ir trabalhar com uma saia até os joelhos e uma blusa social que Thiago, meu último namorado, havia esquecido na minha casa. Eu estava ridícula.

Para piorar, não havia nada minimamente comestível na minha geladeira ― tive que ir embora ainda passando fome ― e o ônibus que eu pegara até o trabalho fizera o favor de enguiçar quase na metade do caminho ― é, eu tive que correr todos os três quilômetros restantes.

Cheguei esbaforida e despenteada à redação, ainda apertando as mãos contra o peito, tentando regular minha respiração.

Qual não foi minha surpresa quando George, meu chefe, disse que precisávamos “conversar”. É, isso aí. Ele usou as aspas. Nunca era um bom sinal quando ele usava as aspas.

George ― baixinho e careca, cara de mau, terno de elite ― parecia muito tímido quando eu me sentei na frente de sua enorme mesa de mogno para a tal conversa. Era uma coisa que eu nunca pensei que fosse ver. George tímido, digo. Ele normalmente era arrogante e tão seguro de si quanto um tubarão.

Primeiro pensei que o motivo da “conversa” era a ridiculeza das minhas roupas.

― Olha, me desculpe ― comecei, porque ele permanecia calado. ― Houve um pequeno incidente hoje de manhã e... essas roupas ― eu apontei para as tais ― eram a minha única opção, se eu não quisesse trabalhar pelada. Me desculpe de verdade. Isso não vai se repetir.

Por um instante os olhos dele se amansaram e ele quase sorriu ― eu disse quase! ―, como se eu estivesse ali, na frente dele, contando uma piada.

― Isso não é sobre suas roupas, Anna ― disse calmamente.

Em todos os quase sete meses que eu estivera trabalhando ali, George nunca havia falado comigo calmamente. Era quase como se ele só tivesse uma marcha: stress. A máquina arranhando, pedindo socorro à embreagem, mas ele só ficava no stress.

Engoli em seco, prevendo o apocalipse que viria nos próximos instantes. Se não era a roupa, devia ser algo pior.

― Não? ― minha voz saiu tão baixa que nem eu mesma ouvi.

― Não ― George respondeu ainda assim. Ajeitou algumas pilhas de papel na sua mesa, olhou para o relógio na parede atrás de mim, suspirou, e tornou a encontrar meu olhar. ― Eu sinto muito, Anna ― disse, e foi quase como se sentisse mesmo ― mas estamos reduzindo o departamento.

As palavras bateram na minha cabeça e saíram, como que refletidas. O conteúdo delas não foi nem minimamente absorvido, pelo menos pelos primeiros cinco segundos, em que fiquei igual uma pateta encarando George e sorrindo. Isso aí. Sorrindo.

Não devia ser tanta surpresa para mim a demissão. Quer dizer, não que eu não fosse boa no que fazia. Era apenas que eu carregava aquela maldição de ser “indiferente para o mundo”. Falando sério.

Quando eu tinha cinco anos, meus próprios pais me esqueceram no super mercado. Só foram se lembrar de mim quando chegou a hora do jantar e não tinha ninguém chorando de fome.

E teve aquela outra vez na quarta série em que a escola se esqueceu de me enviar o convite para a festa junina anual. Nem preciso dizer que meu parzinho na quadrilha teve pular a “cobra”, desviar da “ponte” e se proteger da “chuva” completamente sozinho. Mas tenho certeza de que nem mesmo ele sentiu a minha falta.

E quando passei no vestibular meu nome não foi colocado na lista dos aprovados apenas por conta de um erro técnico, o que me faz pensar que nem mesmo os computadores me enxergavam.

Levando em conta o desastroso histórico, talvez eu já devesse estar acostumada.

Mas o gosto amargo e corrosivo da rejeição era o mesmo toda vez, e doía o fundo do meu coração pensar que eu nunca seria chamada ou mesmo mencionada para resolver alguma situação delicada e vital, e provavelmente, se o mundo estivesse acabando, o presidente dos Estados Unidos não ligaria para os federais, histericamente berrando: “Pelo amor de Deus, chamem a Anna! Ela vai saber o que fazer!”

― Anna? ― a voz rouca de fumante de George me levou de volta ao presente, e eu forcei meu cérebro a trabalhar rápido a fim de traduzir todas as palavras que meu chefe havia despejado alguns segundos antes.

― Você está me demitindo? ― perguntei devagar.

― Bem, eu... ― ele pigarreou e balançou a cabeça. ― Não coloque dessa forma, Anna. Veja como uma oportunidade.

O que se traduz para, basicamente: “Sim, Anna. Apenas se abaixe, para que fique mais fácil de dar um pé na sua bunda.”

Eu quis gritar. Quis mesmo. Eu podia quase sentir minha garganta aprisionando minhas cordas vocais, para que elas não decidissem agir sozinhas.

Pisquei meus olhos bem forte, na esperança de aquilo tudo não passar de um desagradável pesadelo, mas George e e sua careca brilhante não sumiram da minha visão num passe de mágicas.

― Quero que saiba que isso não tem nada a ver com seu desempenho ― George prosseguiu, assinando e carimbando uma papelada de aparência importante, como se eu não estivesse bem ali na sua frente, sendo demitida. ― De verdade. Escrevi uma carta de recomendação que deve estar na sua mesa por agora... Se a secretária fez favor de me obedecer hoje ― resmungou sozinho, e tornou a me olhar. ― E você receberá, com certeza o pagamento desse mês.

“É, veja pelo lado bom,” aquela vozinha que é sempre positiva exclamou na minha cabeça. “Estamos no dia sete apenas, e você vai receber pelo mês inteiro!”

Mas aquilo não era o suficiente para me confortar. Eu gostava do meu emprego. Não estava em nenhum lugar dos meus planos perdê-lo. Especialmente não no mesmo dia que eu tinha realizado a proeza com o ferro de passar, queimando meu terninho preto tão bonitinho ― eu mencionei que ele era um Calvin Klein legítimo? (Ok, do outono retrasado, mas ainda assim!)

― Certo ― eu disse, forçando um sorriso enquanto comandava a meu cérebro que não deixasse as lágrimas passarem, não ainda, porque eu tinha lá o meu orgulho.

― Muito bem, então ― George escancarou os dentes no que parecia uma tentativa de sorrir ainda mais patética que a minha. ― Acredito que não terá problema algum encontrando um novo emprego ― disse numa voz quase paternal. De novo, quase! ― Você é uma garota muito boa.

Fiz um esforço monumental tentando acreditar naquelas palavras, juro que sim, mas, obviamente, é impossível não se sentir um fracasso quando você é tão desprezável que, ao primeiro sinal de terem que reduzir um departamento, você é a pessoa que lhes vem à cabeça.

― Bem... Foi um prazer, Anna.

Talvez eu não seja muito boa com o significado das palavras, mas isso definitivamente não foi um prazer.

Ele estendeu a mão para mim, e daquela vez eu tive a certeza de que ele estava, mesmo, tentando sorrir. Deus, era macabro! Era ainda mais amedrontador do que o George-feroz de sempre. Quis mencionar isso a ele, dar uma dica do tipo “Não tente sorrir. Não cai bem com você”, mas desisti, emburrada, no último instante. O maldito havia acabado de me demitir! Eu não ia ficar lá dando sugestões de como ele poderia melhorar sua vida sendo mais agradável ao olho alheio!

Apertei a mão dele, que se fechou como uma garra ao redor da minha, me sacudiu duas vezes e me largou, como se eu fosse lixo tóxico. Ah, e se ele acha que eu não percebi que, uma vez liberto do meu aperto, ele discretamente limpou a mão na parte de trás de sua calça, está muito enganado! Cretino!

― Já pode ir agora ― George instruiu, quando eu fiquei lá parada, sem esboçar reação.

Assenti e saí de lá, apressada.

Ao chegar à minha mesa, Marquinhos já esperava por mim, e tinha posto todos os meus pertences dentro de uma caixa de papelão, exatamente como fazem nos filmes as pessoas que são demitidas.

― Eu sinto muito, Anna ― ele disse, mas estava claro que não sentia.

Apesar dos adoráveis cabelos loiros cacheados e dos óculos pendurados no nariz que lhe davam pose de intelectual inofensivo, Marquinhos era uma espécie de rato traiçoeiro esfaqueador de costas que geralmente falava o exato oposto do que queria dizer. Ele me odiou desde o começo, e não seria surpresa alguma se ele estivesse envolvido mais profundamente na minha demissão.

O fato de ele ter carinhosamente arrumado as minhas coisas não tinha nada a ver com seu afeto por mim. De certo modo, eu tenho a impressão de que, se houvesse qualquer probabilidade de eu morrer em breve, Marquinhos seria encontrado no cemitério à meia-noite, cavando a minha cova para que eu pudesse bater as botas o quanto antes.

Naquele dia, porém, eu fiquei agradecida por sua insensibilidade. A demissão havia me deixado débil-mental, e eu não acho que teria sido capaz de organizar minhas coisas no estado em que me encontrava.

Com minha cabeça ainda latejando, eu tomei a caixa das mãos dele.

― Obrigada, Marquinhos ― murmurei, caminhando para a saída.

― Disponha ― ele disse. ― E boa sorte.

Todos estavam me encarando enquanto eu atravessava o grande salão editorial, como se fossem cúmplices de algum tipo de crime. Aparentemente, a notícia de que eu seria demitida já estava rolando muito antes que eu de fato fosse informada.

“Tenha dignidade, Anna,” ordenei a mim mesma. “Salve as lágrimas para derramar com um pote de sorvete na frente da televisão mais tarde.”

O mundo foi desabando a cada passo que eu dava.

Parei diante do grande elevador metálico e, após apertar o botão, respirei fundo, tentando focar minhas prioridades.

Prólogo

As serpentinas purpurinadas sambavam ao meu redor, e o brilho dos feixes do sol as tornavam ainda mais chamativas. A cena toda era alegre, mas eu ainda estava bem assustada.

― Você tem agora a chance, Anna, de ajudar pessoas a encontrar o final feliz. É um trabalho incrível e muito bonito, se parar para pensar, mas requer uma dose extra desse seu altruísmo.

Conforme ele me falava, eu procurava seu rosto por entre os brilhos cor-de-rosa que me cercavam. Finalmente encontrei seu olhar terno e tremi. Ele sorria para mim de um jeito meio misterioso.

― Acha que está pronta para esse tipo de responsabilidade?

Saturday, April 9, 2011

Sinopse

“Está cansado de tudo isso?

A madrasta não deixou você ir ao baile? O seu chefe é um mala? Queria que simplesmente pudesse mudar algumas coisas na vida?

Bem, hoje é seu dia de sorte. Sou sua fada madrinha.

Faça seu pedido!”

Já reparou como os “contos de fadas” geralmente não são nada sobre fadas, e sim sobre princesas salvas por príncipes no cavalo branco, e uma porção de final feliz? Quem quer saber das princesas, afinal? E as fadas? Como é que viraram fadas? Por que é que dedicam suas vidas a realizar desejos?

Anna Oliveira era apenas uma moça normal, como eu e você, com uma vida medíocre de pouco reconhecimento. Ela era basicamente insignificante.

Até que encontrou uma varinha mágica de condão que realizava qualquer desejo. Qualquer mesmo.

Após usá-la para consertar sua vida, Anna entrará para uma carreira autônoma de Fada Madrinha, em que terá de conceder desejos aos infelizes e tornar o mundo um lugar melhor.

Será que ela conseguirá desvendar o uso próprio da varinha? Será que os pesadelos que a acometeram logo após o primeiro desejo um dia cessarão? Por que Rivera, seu melhor amigo por quem é secretamente apaixonada, não se apaixonou de volta quando ela desejou que isso acontecesse?

“Faça um pedido” vai contar a história dessa Fada Madrinha moderna independente.